quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Mariluce




“Mariluce”


Dona Maria Lúcia. Mariluce. Era assim que gostava de ser chamada pelos conhecidos. Mulher de meia idade, vistosa. Sempre à procura de um marido. Isto é, um companheiro para dividir as amarguras da vida, suas tristezas ora alegrias.
Mariluce todos os dias acordava sempre às 5:15 da madrugada. Subia em seus saltos plataformas de sandálias anabelas compradas na 25 de Março. Vestia seu jeans justo, abotoado um pouco acima do umbigo. Coloria sua boca de vermelho ruge. Unhas esmaltadas de tom escuro. Sempre bem feitas pela manicure amiga. Usava camisas masculinas justas, de cor branca e abotoadas até o quarto botão. Pra deixar seus enormes seios sobresalientes. Era assim que ela gostava. De mostrar substância, corpulência e um rebolado frouxo. É pra não chamar muita atenção. Sacola de plástico numa das mãos. Pulseiras e anéis baratos. Fora apelidada de “crentona”, carinhosamente, pelos machos do boteco da esquina.
Do ponto de ônibus do centrão, Mariluce olhava atenta ao movimento dos passantes. Mexia nos anéis dos dedos. Sempre olhando de um lado pro outro. Não pode dar moleza. A região está infestada de trombadinhas. Tarados. Malucos. Gente à toa. Mariluce gosta de homens galantes, gentis, destes que dão bom dia. Sempre toma seu café com Sr. Juarez, que também é cartomante nas horas vagas. Paga 80 centavos pelo copo cheio e com pouco de leite. E bastante açucarado. Às vezes, pergunta pelo seu sígno. Gosta de ouvir uma boa notícia. Então, segue pro ponto. Nunca atrasa. E sobe no ônibus como num pulo só. O motorista, Seu Jorge, olha sempre pros volumosos seios de Mariluce. Depois, olhando na cara, diz : “Bom dia, Dona Maria Lúcia”. Ela responde educadamente, fazendo os lábios tremerem. Tem mania de falar pelo canto da boca. Hábito que herdou das madames do Alto da Lapa. Então, Mariluce caminha até o penúltimo banco, sempre vago. Indo sacolejando do centro até à Lapa. Os pedreiros, porteiros, nordestinos e todos que madrugam tem como passa-tempo ver Mariluce sacolejar. A atração é ver seus seios. Pareciam sempre que iriam saltar da camisa ou arrebentar os botões. Ela finge não perceber os olhares maliciosos. Estava decidida por encontrar um homem sério, gente boa, com dinheiro e profissão certa. Praqueles dali não dá bola. Responde educadamente quando alguém pergunta algo. Sempre com aquele trejeito de boca torta, trêmula.
Todos os dias, pela tardinha, costuma passar na Igreja “Templo do Bom Jesus”. Logo após o trabalho - que resume em lavar e passar roupas pras madames numa lavanderia do Alto da Lapa. Roupas sempre perfumadas. Mariluce acreditava que ser crente, religiosa, daria mais futuro do que aquela vida medíocre de passadeira. E ainda afirmava ser uma funcionária dedicada. Ia acompanhando a vida das madames pelos comentários diários na cafeteria. Elas chegavam, debruçavam no balcão de Seu Agenor, entregavam as encomendas e iam pro cantinho do café. Este fica perto do ponto de passar roupa de Mariluce. Ali, ela atualiza das novidades, das tintas de cabelo da moda, das cores de batom e esmaltes. Das mega liquidações da cidade. Inclusive, dos bailes da terceira idade e dos coroas que batem cartão nos bingos. Tudo comentário das madames. Ela faz planos. Tem pensado em juntar dinheiro para quando tirar férias, fazer um percurso pelos bingos à procura de um pretendente. Grana curta. Isto porque esta probre coitada mal consegue pagar sua conta de aluguel. Quiçá, poder juntar dinheiro para passear pelos pontos notívagos destes senhores da terceira idade. Coisa quase impossível.
Numa das idas e vindas de Dona Maria Lúcia da Igreja ou trabalho, ela resolveu conversar com Seu Jorge. O motorista. Tudo bem que poderia pegar mal pra Mariluce. No entanto, o busão estava vazio! Ela trocou dois dedos de prosa com Seu Jorge. Que ficou feliz e mais animado para trabalhar. Seu dia estava ganho. Como o busão estava vazio, Mariluce resolveu sentar do lado do cobrador. Um rapaz de quase 30 anos de idade. Espirituoso. Um pouco atirado. Mariluce não gostava de como ele olhava-te dos pés à cabeça. Sempre com olhar por cima dos óculos escuros. Apesar de chamá-la de Dona Maria Lúcia – depois de retornar o dinheirinho do troco.
Maria Lúcia não parava de prosear com o tal cobrador. Júlio César. Nome de imperador, rei. Ela pensava. Antes fosse. Era rapaz pobre. De periferia. Acreditava que iria casar com a moça mais linda da favela. “Uma pobre coitada”. “Condenada também a infelicidade de uma vida medíocre”. Maria Lúcia conversava, falava, mas a cabeça sempre atenta aos seus pensamentos maldosos. Não acredita que faz comentários maldosos dos outros. Na igreja, com o Pastor, sempre pede perdão pelos pensamentos errados.
Seu Jorge começou a ficar com ciúmes da sua “berinjela” crente. Era assim que o motorista tratava sua escolhida do busão. Por causa da cor dos esmaltes, do batom meio borrado e escuro, do corpo violão. Pele desbotada. De tonalidade jambo. Ele foi ficando com raiva e mais raiva. Olhando pelo retrovisor, via que o rapaz sorria. Aquilo pra ele era sinal de que o rapaz estava investindo na sua “berinjela”. Seu “jantar da meia-noite”. Sua predileta estava caindo nas graças de outro. Como assim?
Numa das curvas, Seu Jorge resolveu meter o pé no freio. Com toda força. Era pra arrancar o rapaz da cadeira e jogá-lo longe. O que não deu certo. Na freiada, Maria Lúcia foi de encontro com o rapaz. Meteu a fuça no meio das pernas dele. Caiu de cara. Borrando a calça do jovem de batom ruge. Bem próximo da virilha. Ela ficou uns segundos com o nariz atolado ali. Sentiu até um cheiro de homem. Ela levantou-se. Pediu desculpas pelo borrão. Queria passar a mão pra tirar a cor do batom. E, sem graça nenhuma, perguntou : “Seu Jorge, que desgraça é esta homem de Deus ?” Ele, furioso por conta do plano que não deu certo, disse que era um cachorro que entrou debaixo do ônibus. Era para não atropelar o coitadinho, então, resolveu frear mais do que devia.
Já era tarde demais para os planos de Seu Jorge. Mariluce, a crentona do ponto do Largo do Arouche, ficou enfeitiçada naquele instante. O golpe poderoso fora suficiente para fazê-la apaixonar-se perdidamente pelo alegre cobrador. Desde então, Mariluce todos os dias passou a sentar ao lado dele. Contando suas histórias. Dando o pulso pra ele cheirar seu novo perfuminho. Mostrando um novo corte de cabelo. Uma nova sandália. Um novo decote. E o moço foi mudando de idéia. E desistindo de sua outra amada da favelinha.

_Umberto.Alitto

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei do teu conto! a propósito, meu nome tb é Mariluce, rs.