Poesia de Adília Lopes (portuguesa e bem louquinha). Em "O Sentido do Possível" ela meio que nos ajuda a entender esta questão, de como lidar com o elogio, o talento.
É assim que sinto-me às vezes. Como lidar com o elogio. Ainda vou mais longe, como lidar com o ego do outro. O que mais me estranha no meio artístico é lidar com o ego das pessoas. Não sei porque as pessoas insistem em colocar o EGO gigantesco na frente das coisas. Para piorá-las. Por isto que eu gosto destes diretores que destrõem a imagem do outro, para criar o personagem. Assim como na música, na poesia. Existe um duelo difícil para chegar próximo da perfeição. E para isto é necessário, muitas vezes, esquecer o passado, esquecer os vícios, esquecer os elogios. Voltar-se para a simplicidade, a humildade. Quem sabe, não anuncia, mostra. Adeus, meu ego inflado. Sou um ser desapegado de egos. E sou feliz. Umberto.
O SENTIDO DO POSSÍVEL
(Adília Lopes)
De uma vez que tocou o Para Elisa
uma pessoa que estimava deu-lhe os parabéns
que posso fazer senão tocar cada vez melhor
o Para Elisa?
(o mundo ou pelo menos eu tendemos para a perfeição )
mas uns dias tocava pior
e outros dias não tocava tão bem
e não havia uma ordem naquilo
não era sempre à quinta vez
que tocava quase tão bem como daquela vez
o Para Elisa
nem era sempre à quinta-feira
ou quando almoçava brócolos com molho branco
que fazer depois de ter tocado não tão bem
como daquela vez o Para Elisa?
podia pedir desculpa aos vizinhos
(estava sozinha em casa
só eles podiam queixar)
( quem lhe tinha dado os parabéns
tinha deixado de lhe dar os parabéns )
podia beber chocolate quente para se consolar
ou tomar comprimidos para dormir
ou tomar comprimidos para dormir
com chocolate quente para dormir a consolar-se
com o queixo puxou a tampa do piano
e deixou-a cair sobre os dedos
não chorou chupou os dedos
e foi pôr Hirudoid e ligaduras com carinho
devia evitar o Para Elisa
porque o Para Elisa fazia-lhe mal
( fazer hematomas é fazer mal )
o Para Elisa devia ter um rótulo
perigo de morte uma caveira um x uma faísca
se tivesse sabido não tinha tocado pela primeira vez
o Para Elisa
ou tinha tocado sempre não muito bem
que posso fazer senão continuar a tocar não muito bem o Para Elisa?
mas quem lhe tinha deixado de dar os parabéns
deixou de lhe dar os bons dias
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