quinta-feira, 15 de maio de 2008

O crepúsculo é este sossego do céu ...

O crepúsculo é este sossego do céu
com suas nuvens paralelas
e uma última cor penetrando nas árvores
até os pássaros.
É esta curva dos pombos, rente aos telhados,
este cantar de galos e rolas, muito longe;
e, mais longe, o abrolhar de estrelas brancas,
ainda sem luz.
Mas não era só isso o crepúsculo:
faltam os teus dois braços numa janela, sobre flores,
e em tuas mãos o teu rosto,
aprendendo com as nuvens a sorte das transformações.
Faltam teus olhos com ilhas, mares, viagens, povos,
tua boca, onde a passagem da vida
tinha deixado uma doçura triste,
que dispensava palavras.
Ah, falta o silêncio que estava entre nós,
e olhava a tarde, também.
Nele vivia o teu amor por mim,
obrigatório e secreto.
Igual à face da Natureza:
evidente, e sem definição.
Tudo em ti era uma ausência que se demorava:
uma despedida pronta a cumprir-se.
Sentindo-o, cobria minhas lágrimas com um riso doido.
Agora, tenho medo que não visses
o que havia por detrás dele.
Aqui está meu rosto verdadeiro,
defronte do crepúsculo que não alcançaste.
Abre o túmulo, e olha-me:
dize-me qual de nós morreu mais.

Cecília Meireles, Elegia 7.



Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos.
Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído.
No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,
modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.
Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho; a mesma claridade da lua.
Vi aquele dia levantar-se inutilmente para as tuas pálpebras,
e a voz dos pássaros e a das águas correr,
- sem que a recolhessem teus ouvidos inertes.
Onde ficou teu outro corpo? Na parede? Nos móveis? No teto?
Inclinei-me sobre o teu rosto, absoluta, como um espelho.
E, tristemente te procurava.
Mas também isso foi inútil, como tudo mais.

Cecília Meireles, Elegia 1.

2 comentários:

Unknown disse...

Oi Humberto
De que livro são esses poemas?
Eles não tem no livro que eu tenho. São demais, né?
E tem gente que não gosta da lírica dessa mulher...

Thaty Nascimento disse...

Se tem alguma coisa na vida que gostaria muito de ter feito era ter escriot esses poemas, são muito lindo e muito fortes.
Acho que eles estam no livro Mar Absoluto...

Ablação!!!