quarta-feira, 13 de maio de 2009

Isto é no teatro : 1a. lição

Eu sinto falta do teatro. Não mais como platéia. Pois, isto faço como hábito religioso. Contudo, é participando que necessito. Estar lá no meio, lambuzando daqueles jogos, criações, falas, gestos, excessos e economias. Deste sobejo que tanto necessito. Daquelas horas passadas num espaço de teatro não tem como medi-las. É tudo sentimento. Os jogos em grupo, os desafios individuais, as semânticas possibilidades de dizeres oriundos das palavras elaboradas ou improvisadas, os estudos, o mergulho na vida dos personagens, chafurdando seus mínimos vestígios e possibilidades ... O infinito no teatro me atrai. E admiro quem por ali consegue viver muito mais do que só aqueles minutos possibilitados por alguém que paga ingresso e torna-se platéia. É uma profissão difícil. Eu sei. E não pretendo dedicar ao teatro como profissão. Minha busca é pessoal. E por isto mesmo, tenho pouco tempo para dedicar. Mas sei que tenho a vida toda pela frente e posso pesquisar com calma. Não tenho sede de urgência. Meus fantasmas ainda não me assombram a ponto de gritar socorro. Sigo tranquilo. Só tenho a dizer que sinto falta. Sinto também a falta dos raros amigos que por lá conheci e pude aprender. Sinto falta da vóz dos professores, das críticas e dos elogios. No teatro é tudo tão simples e, ao mesmo tempo, complicamos tanto. Eu queri ter passado um período de minha vida num espaço de teatro que tem muito próximo de casa. O espaço do Antunes. E isto é tão difícil. Eu sei exatamente quando este senhor chega ao teatro e quando vai embora. Também, neste mesmo espaço que fica praticamente a 50 metros do prédio em que vivo, a Fernanda Montenegro estará apresentando um monólogo. Chama-se "Viver sem tempos mortos". Será um privilégio quase inenarrável poder vê-la todos os dias. E mais do que apenas durante os espetáculos (comprei vários ingressos e foi uma disputa insana), creio que poderei casualmente vê-la noutros momentos. Não planejo nada. Deixo acontecer. Estas pessoas são modelos de inteligência e elegância, de decência e caráter humano. Fernanda é uma das mulheres mais elegantes que pude ter conhecimento, mais do que um ícone, uma grande pessoa. E que muito admiro poder vê-la dedicando por tanto tempo ao teatro. Num país como Brasil, onde a cultura é algo de muito difícil acesso e disseminação, viver de arte torna-se algo sobrehumano. Mas isto é uma outra questão que aborda tanto este lado cultural do país, quanto social e filosófico. Eu precisei fazer um esforço muito grande durante minha vida inteira para quebrar inúmeros pré-conceitos que alimentava diante de tudo que fosse diferente do convencional. E hoje o convencional me espanta mais do que o diferente. Eu aprendi a ver a beleza nas diferenças. E vivemos num país plural, de diferenças, de estranhezas. E muito me espanta agora um olhar cético e concervador. Eu hoje fujo do conservadorismo, do tradicional, e isto me faz mal. E que é diferente do clássico. Como o próprio nome diz : clássico! Que é diferente falar de uma obra tradicional e outra clássica. E isto é válido para todos os meios comentados, desde o lado sociológico, filosófico até o artístico. A arte não exige barreiras, preconceitos, ela é o oposto e ela é fruto do desenvolvimento e avanço humano. Por isto a pintura do homem sai das cavernas primitivas e chegou hoje as galerias sofisticadas, ao design moderno das traquitanas tecnológicas, ao organismo humano. Hoje, uma armação de óculos tem tanta tecnologia quanto um aparelho celular. De diferentes aspectos, mas são objetos que evoluíram ou são frutos do que existe de mais sofisticado. E por isto acho que o comportamento humano deve mudar também. Abandonando e rompendo laços com uma tradição que de nada tem a ver com o mundo moderno e globalizado. O homem ainda continua indivíduo, complexo, e querendo ora viver em sociedade ora isolar-se. É um exercício difícil de vivenciar estes jogos do humano, estes mimos e defeitos de "software" que nosso intelecto e espírito nos pregam. Os maiores problemas do homem ainda continuam sendo a ganância, a sede de poder e a inveja. E muito próximo destes defeitos existe a falta de humildade, aquele momento que reservamos para assistir a nós mesmos. E quando nos vemos no espelho, olhamos para nossas almas, vemos o quanto somos precários. E se propomos a melhorar este lado precário iniciamos um processo de aprendizagem sobre nós mesmos e começamos a andar rumo adiante. Rumo ao que podemos chamar de dar nova vida e ruptura para um novo indivíduo. Podemos morrer e nascer quantas vezes quizermos. Ninguém é de ninguém mesmo. Se algo nos incomoda, teremos que dedicar a mudar este algo. Se é alguém, devemos dialogar, conversar, buscar entendimento. Temos inteligência para isto. Fomos educados para isto. No final das contas, sempre olhamos ou para o nosso passado ou para o futuro. Poucos são aqueles que fixam no presente. E é neste presente que estão os problemas e as soluções, as angústias e as felicidades. No teatro aprendi a ouvir um pouco mais da minha vóz interna. E isto foi excelente. Foi um grande passo. E descobri personagens dentro de mim que são incríveis e outros detestáveis. E cada um deles tem vóz própria. O que é mais engraçado. E um deles em especial agora está me pedindo para escrever um texto. Não sei o que vai dar este texto. Mas estou juntando as peças e elaborando um quebra-cabeça. Vai ser um belo desafio.

Parenteses. Eu queria fazer um filme. Certamente, minha mente é muito audio-visual. Tenho pensado nisto como apenas divagação. Uma linha tênue entre Peter Greenway e Ingmar Bergman. Talvez, muito diferente. Seria uma noite apenas. Uma noite estupendamente milionária, com cenário milionário, algo de se fazer apenas uma única vez. Algo jamais visto enquanto praqueles 60 minutos de êxtase, deste arrebatamento do espírito diante de tamanha grandesa. Mas seria só um sonho. Inconcreto. Surreal. A indústria não banca mais filmes assim. A última película que vi e podemos dizer que foi um luxo pro cinema contemporâneo, fostes um filme de Alexandre Sokurov. Chama-se Arca Russa. Este sim, é algo que admiro. Transpor 3 séculos pruma película e daquele formato. Aqueles movimentos de cameras, o ator protagonista (quase um fantasma) com tamanho expressionismo e realismo. Complexo, refinado, sofisticado, ousado e inteligente. Se uma pessoa pode ser tudo isto e um pouco mais, Sokurov superou. Acho que pra minha geração isto é impossível. Não tive tamanha educação e volto a pôr os pés no chão. Sinto hoje o impacto deste lado cultural, de não ter vivido guerras mundiais, de não ter vivido num continente mais maduro como o europeu. Já ouvi e concordo, temos que aprender a entender o homem latino, daqui da américa do sul. Quem sabe, um filme de grande magnitude não necessitaria de luxo e grandesa. A sapiência não é propriedade apenas dos encastelados.


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