sexta-feira, 14 de dezembro de 2007
Só Para Fumantes : conto do peruano Ramón.
Eu fico imaginando como deve ser a experiência de um "não fumante" ao ler este livro do Ramón. Exatamente, o primeiro conto do livro. É um conto grande. Um contão. Como daqueles da Clarice : "A Paixão Segundo G.H". E não fosse apenas pela primeira pessoa na narrativa, seguindo uma estrutura quase similar de um monólogo. A história deste primeiro conto da série, de tão mórbida, parece alguém beirando o abismo. É penetrante e vai te cativando à cada página. O personagem jovem vai envelhecendo, ficando doente. Você ri de tão absurda tal história do fumante. E vamos acostumando em ler sobre este hábito cotidiano do personagem - de tragar fumaça e dar baforadas. A história conta a vida de um viciado em cigarros e escritor, que ganha dinheiro ocasionalmente por conta dos livros que vai vendendo e dos trabalhos arranjados como bicos. Ele, sempre beirando a miséria. Trocando moedinhas por cigarros. Alimentando pouco pela falta de condições. A ponto de adquirir úlceras no estômago. O sujeito além de ter fumado tanto na vida, mas tantos tipos de cigarros, com suas falas acaba por dar uma aula sobre tabacos e marcas. Ele viaja pelas periferias da América Latina até a França. E vai contando toda "sociologia" do cigarro, dos tipos de fumantes, das marcas e preços. Fala o tempo todo de suas paixões. Inclusive e principalmente : o cigarro e a literatura. E ficamos sempre impregnados por estas fumaças e baforadas do conto. A narrativa é tão admirável, ora detalhista ora rápida, como quanto ao prazer de fumar (para os fumantes). E tal narrativa segue o rítmo da ansiedade de um fumante. Seu desespero na falta de cigarros. Suas teses perante os hábitos. Suas esquisitices. Seu modo de ser e de encarar a vida. E sua calmaria após o alívio de umas tragadas. Não é um personagem psicótico. Não seria um "prato cheio para psiquiatria" elaborar uma dialética sobre teorias da psicanálise ao analisar este personagem. Pois, vemos inúmeras pessoas ao nosso cotidiano que tem esta paixão pelo hábito de fumar. E que não é feio e proibitivo, como as convenções e tratados atuais sugerem. O signo mais interessante do conto, talvez, seja este ritual do cigarro (fumar), das bebidas, do café. O universo dele, introspectivo e suas obcessões. Seus trajetos sempre parecidos. De onde vem aquelas obcessões ? Ele é tão prático com a vida. De uma simplicidade. Ele está focado nas suas ambições mínimas e nem está aí pro mundo ao ponto de nos invejar. Cria um estilo de vida. Como ele vive em função das miudezas da vida, das coisas mínimas. E viciado em cigarros. Como se isto fosse a maior alegria para um dia inteiro de tormentos e preocupações. E basta. Esta vida me lembrou do próprio Fernando Pessoa nas suas caminhadas breves pela baixa Lisboa. Era outro fumante veterano. Porém, Fernando Pessoa era real. Este do conto é ficção. Outras vezes, lembra o personagem Bartleby criado por Herman Melville. Um sujeito que praticamente vivia num escritório. E como a obra de Ramón parece um tanto biográfica. A história desenvolve um universo de um sujeito que não é nem um pouco semelhante com nossos modelos de heróis-capitalistas. Que sugere uma contra-cultura. O oposto. Eu gosto disto, este lado B.Os demais contos falam sobre a família classe média, de tias. E outros até refletem situações vivenciadas pelo próprio autor. É uma delícia de ler este livro. E realçar sobre o trabalho impecável de tradução da CosacNaify e do projeto gráfico do livro, que é um charme à parte. Antes, só líamos Ramón direto do espanhol. Não existiam traduções. Ramón morreu em 1994, depois de receber o prêmio Juan Rulfo.
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