segunda-feira, 9 de julho de 2007

Pares, de sapatos.


Já caminhei madrugadas inteiras em busca de algum lugar que fizesse sentido para acalmar a minha insônia. Sentar num balcão de bar, padaria, anexos e pedir qualquer coisa pra enrolar o tempo. Deixar a noite seguir seu rumo. Até ouvir o galo cantar. E se não ouvir galo algum, que sejam as buzinas dos carros ou as badaladas do sino daquela igreja da Sé. Caso não ouça mais nada, é sinal que perdeu os sentidos. Voltar perambulando pelos calçadões, feito zumbi ou coisa parecida. Desviando dos pombos, das pessoas dormindo pelas calçadas , dos gatos revirando latões e sacos de lixo. A cantilena dos vendedores começa tão cedo que é impossível acreditar no horário que devem acordar. Os primeiros cheiros de cafés das padarias. E daquelas carnes sendo assadas pra virar sanduíches de dois reais. Barulho de portas de latão subindo. É o comércio abrindo os olhos pra ver o dia que acorda. Se pela madrugada existe comércio, com certeza, não é o mesmo tipo de serviço que vemos durante o dia. O ziguezague dos pedestres, aflitos, com hora marcada, cartão de ponto, mochilas, querem chegar ao trabalho. Caminhando. Vou caminhando. Os pés já não aguentam o calor do sol e das meias quentes. Antes fosse noite, tudo frio, corpo quase congelando. Os olhos secos, esbugalhados, a boca seca, o nariz igual um deserto de areia, a pele igual talco em porcelana. No caminho de casa é sempre a mesma coisa. Parece todo mundo igual. Gente família. O porteiro na sua casinha, folheando as últimas manchetes, ele distrai antes de entregá-las pros inquilinos do condomínio. O faxineiro lavando os calçadões e aguando plantas. Os moradores saindo em busca de suas rotinas diárias. Entro sem falar com ninguém. Só dou bomdia quando é preciso. Vou caminhando até os elevadores de madeira. Cheiram mofo e pinho. Igual caixas de figo em conserva. São decorados com alguns rabiscos pornográficos que algum qualquer fez. Aperto logo o 7º. andar. Pra chegar mais rápido. Vou logo abrindo a porta, entrando naquele apartamento que desconheço ser meu. Nunca tranco a porta. Ela sempre fica apenas encostada. Fechada. Porém, sem estar trancada. Quase nunca percebo estas coisas. Creio que a insônia me deixou com problemas demais pra resolver pelas madrugadas. E trancar uma porta é o menor deles. O mais insignificante. Agora, olho pra parede e vejo em um canto estes pares de tênis brancos. Estão na fila para serem lavados. Um dia. Quem sabe. Lavarei todos que estejam nos cantos. Sujos. Pisados. Lavá-los também é um dos problemas de menor significância. As madrugadas ainda são meu maior problema!

Um comentário:

Alexandre Bonafim disse...

Sua escrita carrega a vertigem do Flaneur baudelairiano. Enfim, melancolia, alumbramento, fragmentos de uma vida em espanto e, por isso mesmo, repleta de poesia