quarta-feira, 25 de julho de 2007

Confissão: O Exílio


Quem já não teve aquela sensação estranha em lugar incomum ? Como diz certa canção "Festa estranha com gente esquisita, eu não tô legal ... " ! Pois é, estrangeiro é sempre desalocado, meio outsider, fora da cultura local. E todos sofremos quando visitamos países e cidades fora de nossa pátria. Por um lado, existe um certo glamour em dizer : "Estou mudando pra Europa", ou qualquer continente que seja e país. Entretanto, as diferenças é que devemos pesar, relevar, medir as circunstâncias e ver se "vale a pena". Existe uma grande diferença entre expatriados ou turistas. Estes últimos tem uma curta estadia em outros lugares e não dá pra considerar, é apenas supor-se.
Hoje, recebi um email de um amigo, M., que morou longuíssimos cinco anos na Europa. Foram períodos de curtição, aculturação, vitórias, conquistas, alumbramentos, desencantamentos e tantas histórias malucas que encheriam rapidamente um bom livro de umas 400 páginas. Fala-se sobre a condição do sujeito que vive em outro país e sente-se deslocado, perdido, fora do contexto. Como Clarice muito bem comenta nesta passagem que copio abaixo. Com toda permissão do amigo M.
Ps.: a foto acima tirei de minha varanda, estava vendo o céu limpo depois de longo período de chuvas em São Paulo. E a lua estava lá, solitária, romântica e melancólica. Diz-se que ela é símbolo fetiche dos poetas e madrugadores. Que seja. Noite shakesperiana esta.
Abraços, Umberto.
Faço minhas (mais uma vez) as palavras de Clarice, nosso Gênio maior, sobre o exílio. É exatamente assim que me sentia nestes últimos anos, apesar das inúmeras amizades conquistadas e das belezas todas que vi:
Segundo a própria Clarice o definiu (o exílio), foi como se o tempo pingasse em conta-gotas. "E eu contei gota por gota", chegou a confessar.
"Assim não tenho gostado verdadeiramente da Itália, como não poderia gostar verdadeiramente de nenhum lugar; visto que há entre mim e tudo uma coisa, como se eu fosse daquelas pessoas que têm os olhos cobertos por uma camada branca".
Sentia-se pior que um mendigo. Porque "o mendigo sabe ao menos o que pedir", escreveu.
Depois de Nápoles, a próxima parada seria ainda pior: Berna, na Suíça. A autora descreveu a cidade como um "cemitério de sensações", "um túmulo, mesmo para os suíços", um lugar em que "a noite era tão despovoada que não tinha nem fantasmas". Os cenários eram tão calmos, havia um silêncio tão "aterrador", que, numa das cartas endereçadas à irmã, Clarice desabafou: "Dá vontade de ser uma vaca leiteira e comer durante uma tarde inteira até vir a noite, um fiapo de capim. O fato é que não se é tal vaca, e fica-se olhando para longe como se pudesse vir o navio que salva os náufragos. Será que a gente não tem mais força de suportar a paz?".

Sobre Torquay, no UK: De novo, as impressões não foram as melhores. À irmã, escreveu: "Aqui é tipicamente uma cidade pequena, tem cheiro de Berna. Sem ser por pouco tempo, seria chatíssimo. Todo mundo é mais ou menos feio, com chapéus horríveis, modas horríveis nas vitrines. Em cidade pequena, até os filmes são ordinários (...)".
O exílio está historicamente ligado ao sofrimento. Na literatura, a restrição exílica representa uma espécie de "morte em vida" desde os textos clássicos. Na Grécia antiga, por exemplo, era sinônimo de pena de morte. Muitos escritores modernos, no entanto, buscaram voluntariamente no deslocamento uma saída estratégica de seu país de origem, para tirar daí alguma espécie de ganho artístico. Não se fala aqui, portanto, do exílio como punição. A referência se faz apenas ao sentimento de nostalgia, saudade de casa, que expressa a separação de um indivíduo de sua pátria e o desejo de retornar a ela algum dia.
Um estudo abrangente sobre o tema está em Os males da ausência ou A literatura do exílio, de Maria José de Queiroz, que desenha um pano de fundo histórico, da Grécia antiga à contemporaneidade, para cercar a produção de inúmeros autores que viveram e trabalharam longe da pátria. "O exílio não é apenas a experiência da solidão, do afastamento, da nostalgia", escreve Maria José. "À maioria dos indivíduos, o desterro afeta a estrutura da identidade. A exclusão da palavra, da língua do berço, não se vive apenas como pena política, é tormento pessoal. Os escritores que puderam continuar a escrever salvaram-se desse tormento."
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Resta-me a pergunta: como consegui sobreviver estes anos todos?
Matéria completa em:
http://www2.uol.com.br/brhistoria/reportagens/a_hora_do_exilio_de_clarice_lispector.html

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